terça-feira, 28 de julho de 2015

Revista  Kalunga 
Edição nº 286 - Junho 2015


Árvores a mancheia


O empresário Hélio da Silva plantou mais de 18 mil pés de árvores nos finais de semana, em pouco mais de dez anos, e criou o primeiro parque linear da cidade de São Paulo
Mais amplo que uma simples herança, que todos de uma forma ou de outra acabam deixando a seus sucessores, legado é algo que inspira grandiosidade, destinado ao coletivo, às gerações vindouras. Muitos não se importam com isso, mas existem evidentemente honrosas exceções, como é o caso do cidadão Hélio da Silva, 64 anos, empresário do setor de alimentos orgânicos. Dentro de uma cidade das dimensões de São Paulo, povoada por milhões de pessoas preocupadas apenas com o próprio umbigo, ele é o que poderíamos chamar de “ponto fora da curva”. Por quê? Pelo feito voluntário de ter plantado mais de 18 mil árvores em uma área degradada da cidade.
O espaço escolhido foi o terreno ao longo da Avenida Carvalho Pinto, que margeia o córrego Tiquatira, no bairro da Penha, Zona Leste. Ele explica o porquê da opção: “Diariamente, caminhava pelo local e percebia que a situação só piorava. Como se tratava de uma área pública, resolvi mudar o entorno. Desenvolvi um projeto para dali a dez anos.”Ao levantar a história do local, ele constatou que ali era uma extensão da Mata Atlântica, portanto, nada mais natural do que reinserir as espécies que existiram ali no passado.
Não foi uma tarefa fácil. Por exemplo, as primeiras 200 mudas de árvores plantadas foram simplesmente destruídas. Mas ele não se deu por vencido. Foi para o interior do Estado e comprou outras 400. Mais uma vez, todas foram dizimadas. Contrariado, Silva adquiriu mais 5 mil mudas, de mais de 170 espécies genuinamente de Mata Atlântica. “Descobri que quem destruía as mudas eram os próprios comerciantes locais, pois acreditavam que as árvores prejudicariam a fachada de seus estabelecimentos. Demorei três anos para convencê-los de que elas iriam trazer benefícios a todos em um futuro próximo. Hoje, todos têm admiração pelo Parque”, comenta.
Investimento
Nessa empreitada, mais do que persistência, Silva investiu tempo e dinheiro. Ele calcula que a tarefa consumiu 590 de seus finais de semana. “Devo ter faltado em uns dez para segurar o casamento, caso contrário, tinha acabado.” Era sempre a mesma rotina. Ele passava boa parte do tempo fazendo covas, adubando e preparando “bercinhos” para suas novas filhas.
Aliás, o que muitos podem tachar como despesa, Silva vê como investimento. Ele acredita ter gasto de R$ 1 mil a R$ 3 mil mensais, na compra de mudas, adubos e insumos, e também no pagamento de pessoas que o ajudaram no plantio. “Sabe, quando uma pessoa vai a um orfanato e quer adotar uma criança? Ninguém quer aquela ranhenta, feia, só as bonitinhas. Com o parque foi a mesma coisa. Quando ele começou a ficar bonito, todo mundo quis ser dono. Não tem problema, o que importa é que ele é público.”
Iniciado em novembro de 2003, demorou quase quatro anos para o local ser reconhecido como o primeiro parque linear (ao longo de rios) da capital paulista. Em 2007, o então batizado Parque Tiquatira contava com 5 mil árvores. Mais recentemente, ele recebeu equipamentos de lazer e banheiros. “Para mim, não é uma despesa. É um investimento, um legado, que eu, Hélio, vou deixar para essa cidade maravilhosa, que me acolheu quando vim do interior.” Natural de Promissão, distante 500 quilômetros de São Paulo, afirma que a cidade lhe deu tudo o que tem. Nada mais justo do que fazer um tributo, um agradecimento, primeiro, à própria cidade, segundo, ao Brasil, mas fundamentalmente para o planeta, e também para as gerações futuras.
Divisão
Das três sugestões do poeta cubano José Martí, de que um homem deveria “plantar uma árvore, ter um filho e escrever um livro”, Silva só não concluiu a última. No entanto, desde os 14 anos de idade, registra as memórias pessoais em um diário. Em outro caderno, com 72 páginas, narra como foram os últimos 11 anos e meio dedicados à missão de plantar árvores. Ele diz que conhece uma por uma e sabe exatamente o dia em que cada uma foi plantada.
“Tenho 18.103 filhos, sendo três biológicos e 18.100 árvores. Caso um dia me perguntem qual é a minha obra, direi: as mais de 18 mil árvores que eu divido com todos vocês. Cheguei à conclusão de que a palavra divisão é encantadora. Ela se sobrepõe ao termo adicionar, somar. Quando a pessoa chega ao final de sua vida e pensa ‘e agora o que eu vou fazer com isso tudo que somei?’ É tarde, porque não dividiu durante a sua existência. Muitos se arrependem. A vida cobra, e se tem algo que aconselho é que seja bom. Ser bom é muito bom”, enfatiza.
Com esse intuito de ser bom sempre, o empresário continua com sua missão todos os finais de semana. Recentemente, plantou 3,3 mil árvores ao redor do reservatório de águas pluviais, conhecido como Piscinão, vizinho do Parque. “Estou plantando também uns pés de café para decorar. Eles crescem bem debaixo de árvores sombreadas. A molecadinha vai poder saber que café não dá no shopping. Ele dá na lavoura”, brinca.
Passáros
Quem caminha pelo Parque, entre jequitibás, jatobás, paus-brasil, eritrinas, aroeiras, canelas, goiabas, amoras, ingás etc., pode observar uma ampla variedade de aves, como sábias, sanhaços, saíras, gaviões, papagaios, tico-ticos, joões-de-barros. Para atrair essa população, de cada 12 árvores plantadas, uma é frutífera. Essa estratégia fará do Tiquatira um dos maiores parques em biodiversidade.
“Hoje mesmo fui caminhar e ouvi uma sinfonia de sábias e sanhaços. Em qualquer época do ano é possível ver a passarinhada, claro, que em algumas mais, em outras menos. Tem a fase de acasalamento, de choca, em que eles ficam mais dentro de casa, na maternidade, vamos dizer assim. Mas na primavera, é uma beleza”, atesta.
Com o apoio da Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente e da subprefeitura da Penha, que cedem mudas para o plantio, Silva pretende, daqui a dois anos, identificar cada uma delas com uma placa que trará o nome científico e popular, e a data em que foi plantada. “Por enquanto, continuo me dedicando ao plantio. Estou craque nisso”, brinca. Atualmente, ele conta com o apoio de dez pessoas para fazer covas. Em um dia, são plantadas de 500 a 600 mudas.
Como plantar árvore virou mesmo uma missão, Silva pretende seguir com o seu projeto até o último olhar no crepúsculo, conforme diz. “Costumo falar que pedi a Deus para me levar somente em 2.035. Depois eu volto lá pra frente.” Até lá, ele pretende plantar entre 40 e 50 mil árvores. “Ora, se em mais de 10 anos plantei cerca de 18 mil, ainda tenho 23 anos de vida para plantar mais. Vou buscar áreas públicas abandonadas, degradadas, onde o coletivo é o dono. Quem vai se beneficiar serão as gerações futuras, daqui a 300, 400 anos”, conclui.

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